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aluno Cristiano Alves dos Santos sempre nos
deu mais dor de cabeça do que alegrias. Era indisciplinado, sempre estava
envolvido em confusões, perturbava a classe, não fazia as tarefas e, pior:
acabou abandonando a escola várias vezes. Mas, como somos educadores e, portanto,
sonhadores, nunca deixamos de acreditar em que, um dia, iríamos fisgá-lo. E foi
o que aconteceu! Durante uma reunião de Conselho de Classe e Série, o professor
Carmo, de Artes, comentou: “O Cristiano não faz nada na sala, mas ele é
afinadíssimo.” Na hora percebi que talvez essa fosse a “isca” de que
precisávamos. Seu Carmo, como bom
professor e excelente músico, ajudou-o a dar os primeiros passos, a aprender as
notas, a desvendar as partituras. E logo o menino arredio e briguento passou a
fazer parte do coral da escola. Percebi as primeiras mudanças. Mas, como garoto
pobre, Cristiano continuava com dificuldades na escola. Trabalhava o dia todo e
estudava à noite – sempre chegava atrasado e com os braços cheios de respingos
de tinta. Muitas vezes ajudei-o a fazer os trabalhos escolares, ou a se
preparar para uma aula aos quarenta e
cinco do segundo tempo, como ele mesmo dizia. Entretanto, como Deus não faz
serviço pela metade, em 2009, Cristiano teve a oportunidade de fazer a prova
para o processo de seleção do Acessa Escola, um projeto da Secretaria da
Educação que contrata alunos do 2° ano do Ensino Médio para atuar como monitores
nas salas de Informática. Receoso, ele veio me perguntar várias vezes se
deveria fazer a prova, já que, inseguro, tinha medo de fracassar. Ele ainda não
sabia, mas o fracasso já era coisa do passado. Aprovado no referido processo
seletivo e com a auto-estima nas nuvens, Cristiano ingressou em 2010, como
aluno monitor. Foi a partir desse momento que ele deu a grande guinada em sua
vida. A sala de informática demorou um tempo para ficar pronta, mas Cristiano
passou, enfim, a viver para os estudos. Ficava na escola o dia todo. De manhã,
a maior parte do tempo na biblioteca, lendo, perguntando e estudando muito. À
tarde, retornava para cursar o Ensino Médio. Encantava-se com cada descoberta e
lamentava os anos perdidos, as coisas que poderia ter aprendido. Aprendeu a
admirar os bons professores, as aulas bem preparadas. Pesquisava muito na
Internet e buscava aperfeiçoar a escrita, que ainda destoava um pouco de seus
pensamentos. Li muitos de seus textos, mas acima de tudo li em seus olhos que
ele estava, enfim, preparado para aproveitar todas as oportunidades e chegar à tão
sonhada universidade. O curso, pouco importava: ele apenas queria chegar aonde
somente pouquíssimos, com a mesma história de vida, haviam chegado – a uma universidade
pública. “Quero ser um bom profissional em qualquer profissão, porque uma boa
universidade, uma boa escola é tudo na vida da gente. Se a vida me der mais
esta oportunidade, vou agarrá-la com unhas e dentes. A primeira foi o Programa
Acessa Escola”.
Em seu
discurso de formatura, ele emocionou a todos. Não pude conter as lágrimas
quando, de improviso, Cristiano fez o discurso mais emocionante e verdadeiro
que já ouvi em minha longa carreira no magistério. Disse que seu prontuário já
estava no arquivo morto, que sua história já estava quase no epílogo, mas que ganhou
sobrevida com o Programa Acessa Escola, e que os professores acreditaram nele
e, por isso, ele estava ali. Disse também que iria chegar mais longe. E chegou!
Hoje ele veio pessoalmente nos contar de sua aprovação e mostrar a sua
matrícula na USP de Ribeirão Preto. Não precisava nem ter mostrado o documento,
todos nós da família “Paulo Virgínio” já sabíamos. Nós não apenas acreditamos
nele, como temos a certeza de que será um enfermeiro brilhante. Tudo aquilo que
porventura possa lhe faltar em termos de conteúdos escolares será suprido pela
sua imensa vontade de vencer. Esta sequência de experiências positivas lhe
permitiu que descobrisse todo o seu potencial. Nesta escola, o Cristiano deixou
de ser um menino briguento e desmotivado, e se tornou um grande homem. O
programa Acessa Escola foi fundamental neste processo. Estamos na torcida para
que esta história possa se repetir muitas vezes.
Shirley Rosane A. F. Monteiro - PC
do Ensino Médio da EE Paulo Virgínio.
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